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Ser ou Não Ser: Atuação&RPG

Para falar de atuação, sendo apenas uma diletante curiosa, eu trouxe para vocês Rakk Cucatto, ator, cantor, RPGista e minha Vingadora Sagrada. Ele gentilmente preenche esse podcast com sua visão sobre o que é atuação no RPG, como usar o background como ferramenta, e quais são os pontos de toque entre atuar na Mesa e no Palco.


Mas é claro que a minha cabeça não para, e eu fiquei pensando no assunto dias e dias depois. RPG envolve atuação, certo? Pelo menos para muitos, há o desejo e a expectativa de interpretar o personagem. Mas a maioria de nós tem o único contato com atuação como platéia, vendo o trabalho de atores em filmes e teatros. O que faz com que nossa atuação seja uma cópia da forma, muitas vezes ignorando o conteúdo. Ao mesmo tempo, podemos considerar que o princípio de atuar é pertinente e utilizado em vários aspectos do nosso dia-a-dia; personas que criamos para ambientes sociais, rituais culturais como jantares em família ou conhecer os sogros, ou mesmo eventuais mentiras que contamos são elementos bastante naturalizados de atuação. Muitas vezes a ênfase na separação entre atores profisisonais e jogadores de RPG cria uma barreira para estes últimos, que se vêem diante de um portão fechado por ‘não serem atores’ - um comentário bastante frequente quando falamos, por exemplo, de Critical Roll. Como se não ser ator nos tornasse incapaz de atuar. Mas o que é atuação em RPG? Quais são as diferenças, as semelhanças? Dá para atuar no jogo - e quanto? Na Mesa, No Palco

Como conversado no nosso Podcast acima, uma das primeiras diferenças entre a Mesa e o Palco é a questão de determinação X improviso. Em uma peça tradicional, o improviso pode ser parte eventual, mas a história e a interpretação do personagem é mapeada, conhecida, construída por autor, diretor e ator. No palco, a atuação é construída, pensando na peça como um todo. O desafio do ator é viver no presente enquanto simultaneamente traça rimas narrativas e fundamenta as ações de seu personagem para o futuro. Sabendo que Julieta vai se suicidar no final a peça, a atriz a interpreta flertando com Romeu pela primeira vez. Esse conhecimento não apenas informa todas as ações dela ao longo da peça, mas determina muitas as formas com que essas ações vão tomar corpo. Atuar em uma peça é estar no presente do momento, mas com a capacidade de ver com clareza o futuro onde o personagem estará, daqui a 20 anos ou uma hora. Em uma campanha de RPG, nós não sabemos o destino dos personagens. Mesmo que tenhamos expectativas ou esperanças, elas são bússolas mais do que linhas de chegada. As ações dos nossos personagens são baseadas não em um futuro pré-determinado, mas em um passado construído até então, vivido, muitas vezes até aquele momento. Desta forma, atuar, em RPG, é sobre estar no presente e usar o seu background e experiências do personagem como guia. A atuação é pensada neste momento, agora, orientada para a cena, e ela se baseia nas informações do passado dos personagens, como indivíduo ou grupo, bem como as reações espontâneas dos demais atores. O jogador se permite sentir o que o personagem sente, pensar o que ele pensa e reagir como ele reaje com o objetivo que esta cena e interação específica seja mais viva, mais rica - e um solo mais fértil para interpretações futuras. Tá, ok, mas como?

Subindo em Cima da Mesa: Atuação no RPG

“(Emotions are) relatively short-duration intentional states that entrain changes in motor behavior, physiological changes, and cognitions” Hess and Thibault "(Emoções são) estados intencionais de duração relativamente curta que causam mudanças em comportamento motor, alterações fisiológicas e cognições" Hess e Thibault

Para quem já brincou com o cardgame Que Jogador É Você e viu as cores da Drama Queen aparecendo, o que fazer? Stanislavsky (eu prometo que cito outro autor de teatro em seguida, calma) diz que nós não sentimos emoções puras, desprovidas de conexão com nossas vidas. E eu concordo: mesmo em casos fisiológicos (como desequilíbrio hormonal), nossa mente busca razões e sentido para aquela emoção: eu estou triste porque o comercial de ração de cachorro é tão bonito, e eu estou brava porque você é um babaca que está dando risada da minha cara. Nossas emoções são, na maioria dos casos, reações ao mundo ao nosso redor. Reações nossas ao mundo ao nosso redor, mas que podem ser extendidas ao personagem através do exercício de empatia e identificação, quando usamos o combo background+vivência da mesa para ter aquelas experiências como (parcialmente) nossas. A idéia é começar pequeno: em uma determinada cena, você gostaria que o personagem chorasse, mas você, o jogador não sente essa vontade. Declare a ação, permita que o que existe em você de tristeza transpareça, e continue. Um ponto importante é: tempo. Emoções são lentas, e como audiência (e agentes) nós precisamos nos dar tempo para sentirmos as emoções, sem ceder ao impulso de “rushar” falar ou fazer coisas para não perder o ritmo da história. O canal Every Frame a Painting aborda esse aspecto de “timing emocional” comparando Homem Formiga e Star Wars aqui. Mas e quando não existe essa idenificação?

É possível e provável que no começo o jogador sinta uma dissociação emotiva de seu personagem; e o exercício de terem sentimentos análogos e dissonantes vai afinando esta relação entre eles. Haverão situações ruins para o personagem e agradáveis para o jogador, e vice-versa, e este pode permitir que essas emoções coexistam dentro de si.

No livro Approaches to Acting: Past and Present explora-se a premissa do dramaturgo Antonin Artau, que como um atleta, o ator desenvolveria uma “musculatura emocional”, uma facilidade para sentir diferentes emoções não apenas de forma mental, mas física, que facilitaria essa imersão psicológica nos personagens. Para quem quiser pesquisar mais, a palavra chave é “Teatro da Crueldade”, um manifesto do começo do século XX que aborda os aspectos mais viscerais da atuação. Embora a sua Forma Final seja difícil de imaginar para muitos, diversos aspectos e técnicas foram e são incorporados em várias obras de cinema e teatro até hoje.



Imersão & Desenvolvimento


E por quê interpretar nossos personagens? Qual a vantagem em ficar dramatizando a mesa, ao invés de simplesmente narrar os cursos de ação escolhidos de maneira elegante e sucinta?


É uma questão de escolha; eu lembro de assistir, boca aberta e olhos brilhantes de admiração, enquanto um jogador levantava de sopetão e gritava com o NPC na minha mesa de FATE quinta à noite. Essa exata mesma ação na mesa de D&D da noite seguinte provavelmente teria expulso ele do grupo. Jogos diferentes, grupos diferentes, e ambos maravilhosos.


A opção por elevar a energia dramátca de uma mesa me agrada por dois fatores: imersão e desenvolvimento.


Sobre o primeiro, você estar sentindo - ou criando- as sensações dos personagens no seu corpo ancora você firmemente no momento presente; quando você está com medo que ele perca ou exultante pela vitória dele, a sensação é completamente ali. Eu discuto em outros posts como RPG é um meio mental, e existem poucos elementos deles na realidade física - mas as emoções causadas pelo jogo existem e são elementos físicos atuando sobre os jogadores alí, naquele momento.


Sobre desenvolvimento, eu gosto de pensar que a dramatização leva a mesa para situações inesperadas, especialmente entre os jogadores. São as nossas emoções, muitas vezes, que nos impedem de tomar decisões “otimizadas”, que criam conflito interno e externo para o personagem. Um jogador pode ter todos os motivos do mundo para aceitar o pacto com o semideus que o encurralou e disse “Ou você se une a mim, ou eu vou tirar todo os seus poderes”, mas a sensação de levar um ultimato o deixa tão puto que ele manda o semideus à merda e perde todos seus níveis de Warlock. Isso cria uma narrativa de desenvolvimento particular daquela mesa e grupo, tornando a história mais interessante, mais rica - com dinâmicas próprias, afastando-se dos clichês de fantasia em direção à uma experiência customizada para e por aquele grupo de pessoas.



Comédia e Drama


Nós, RPGistas, temos um pendor para piadinhas, citações de filmes e jogos, comentários engraçadinhos nas cenas dos outros. Uma série de oportunidades excelentes para treinar a paciência de cada Mestre, sem dúvida, mas acima de tudo uma característica da nossa mídia: nós gostamos de humor. Facilmente tendemos para a comédia, e mesmo aqueles que não se julgam engraçados arriscam uma double entendre aqui e alí. Porque o riso, no RPG, é fácil; o ambiente é confortável e a “platéia” vai achar graça de praticamente qualquer coisa naquele clima de companheirismo e espírito de grupo que a maiora das mesas têm.


Tradicionalmente nós pensamos em interpretação e teatro com suas duas facetas: comédia e drama. Desta forma, quando tiver pensando em desenvolver o lado cênico da sua interpretação, lembre-se desta dicotomia. Cenas engraçadas e cenas dramáticas, piadas e momentos de maior introspecção.


Para quem quiser estudar melhor essa dualidade, a série Discworld, do magnífico Terry Pratchett, é a minha sugestão de ouro. Um humor ácido e rápido como um chicote, que vai te fazendo dar risada até que, quando você menos espera, as lágrimas estão escorrendo na página.


E para aqueles que concordam comigo que tem muito ainda a ser dito sobre Interpretação e RPG, na semana que vem o tema continua, com Podcast com a diretora, atriz, cantora e musa ruiva cuja voz esquenta o Sol, Helenice Zambonini.


Boas rolagem, e bora fazer escândalo na Mesa essa semana! <3

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