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O Elusivo Ritmo de Uma Sessão de RPG

(Sim, A Insustentável Leveza do Ser está no meu top 10) O que eu me refiro como “ritmo” é a verdade um conceito um tanto impreciso. Em inglês, termos como “pace” e “flow” são usados por autores como o Angry DM, e embora eles sejam úteis e interessantes (e o blog é uma das poucas coisas que me faz rolar de rir no mundo), não é ainda exatamente o que eu tenho em mente quando falo de “ritmo de uma sessão”. Quando estava no ensino médio (e no primeiro ano de faculdade), eu tinha o hábito de começar a traçar lentamente uma linha de cima abaixo em uma folha enquanto o professor explicava algum tópico. Essa linha representava o meu nível de engajamento com o tema, oscilando para direita quando eu ficava mais e mais interessada e para esquerda se a minha atenção se desprendia, até o ponto que eu largava mão e começava a escrever sobre que classes de D&D as musas gregas seriam ou desenhar corsets. Exercícios e atividades interrompiam a linha, que recomeçava quando a explicação reiniciava de um ponto que refletisse o meu engajamento na hora. As melhores aulas tinham linhas assim:


Essas linhas, representações gráficas do engajamento com o tema, são uma boa noção do conceito de “ritmo” que quero expressar. Há de haver uma oscilação, e um controle de picos e planices, tempo para respirar e ficar tranquilo e momentos de ápice absolutos. Quando se pesquisa essas idéias (ritmo, flow, pace) em RPGs, encontra-se muitas coisas sobre estrutura. Algumas particularmente interessantes, como os posts desse artigo do Reddit.

Mas me parece que estrutura é apenas uma faceta do que incorpora o ritmo de uma sessão. Eu consigo imaginar sessões diferentes, seguindo exatamente a mesma estrutura, mas com ritmos e cadências completamente distintas. Então se Estrutura é uma parte, quais são as outras? O que é ter ritmo ou não ter? É fácil identificar quando uma sessão tem um problema de ritmo. Particularmente como jogadora, quando eu percebo que uma sessão foi boa - mas demorou 80% do tempo em prólogo para 20% de animação, eu fico pensando no que poderia ser diferente. Da mesma forma, começar com um Bang! e ver a empolgação lentamente definhar pelas horas seguintes é igualmente ruim. Uma sessão que parece ser uma linha reta, sólida mas uneventful, também me parece problemática. As minhas conclusões parciais em relação a Ritmo até o momento são as seguintes: 1) Ritmo é o equilíbrio dinâmico que deve ser mantido entre as exigências do jogo e os recursos dos jogadores (sejam mentais, emocionais, tempo, conhecimento de jogo, etc). Quando esse equilíbrio é adequado, a sessão flui. 2) Os elementos a serem tratados em termos de ritmo (do ponto de vista do Narrador) são: Estrutura, Elementos Narrativos, Elementos Interpretativos e Recursos dos Jogadores. Estrutura: tanta coisa já foi escrita sobre a estrutura de sessões de RPG que eu só quero destacar dois pontos que afetam o ritmo (e melhoraram a minha maneira de mestrar): Cenas com Níveis de Importância Distintos: essa técnica eu aprendi no workshop para Narradores de RPG da Roleplayers (<3). A idéia é que, quando você faz o design da sessão, você identifica três tipos de cenas diferentes: cenas essenciais para a história, cenas complementares e cenas opcionais. As cenas essenciais precisam acontecer de toda forma para a sessão fazer sentido, as complementares têm informações relevantes (ou subplots) para serem explorados, e as opcionais são puramente flavor ou diversão para o jogo. A idéia dessa seleção é poder responder à dois fatores importantes durante o jogo, o tempo que a sessão tem para ocorrer e o engajamento dos jogadores. Construindo a sessão com esses critérios, você tem a flexibilidade de reagir ao estado desses dois fatores, dispensando ou acrescentando cenas conforme parecer pertinente. Recap: Os jogadores precisam ser transicionados do modo “conversando com amigos” para o modo “jogo”, e o recap de eventos passados no começo da sessão é o momento dessa transição. Em um longo post, o Angry DM falando sobre como o recap deve ser feito. A leitura completa é imperdível, mas o resumão é o seguinte: você, o GM, você faz o recap. Ele deve começar com o objetivo da sessão que vai começar, seguido da motivação para conseguir esse objetivo. Em seguida vem informação de sessões/histórias anteriores que seja útil para esta sessão, agora, imediatamente. Após isso, relatos breves de vitórias e momentos marcantes da última sessão, seguido da lembrança de onde eles estão exatamente neste momento, transicionando para o momento em on que eles têm uma decisão a tomar. Eu não sei vocês, mas a minha reação a ler esse recap foi levar a mão à testa em horror, pensando “Putz, eu fiz isso errado a minha vida toda…”. Esse tipo de recap faz todo sentido, e eu o adotei em meu coraçãozinho. Elementos Narrativos: existem mecanismos e técnicas que nos fazem ficar investidos e envolvidos em uma história. Eles são longamente abordados em livros como Story, do Robert Mckee ou na série The Future of Storytelling, explicados brevemente em vários vídeos, ou neste vídeo sobre como ser um Mestre Storyteller. Esses elementos influenciam o ritmo de uma sessão exatamente porque atuam diretamente sobre a história da campanha. 15 minutos do mestre falando sem pausa pode ser excruciante para os jogadores, ou pode ser algo fascinante que vai fazer com que eles se importem com a narrativa, e o diferencial é como você emprega técnicas de Storytelling. Dois dos melhores vídeos sobre storytelling que eu já vi são TedTalks: O Perigo da História Única e Empodere Uma Menina, Transforme Uma Comunidade. Eu recomendo que você assista os dois analiticamente, prestando atenção nas técnicas e elementos de como contar uma história que elas usam, e tente empregá-los nas suas próprias histórias o quanto antes possível. Elementos Interpretativos: RPG têm elementos de atuação/interpretação, mas a maioria dos jogadores não tem treinamento cênico. O que implica que esforços interpretativos são, simultaneamente, extremamente interessantes e potenciamente desgastantes (para o jogador interpretando, para o grupo e para a história), especialmente se as emoções de uma determinada cena não mudam. Alternância aqui é a principal chave. Cenas carregadas emocionalmente entre dois PCs, ou entre um PC e um NPC, são excelentes, mas devem ser intercaladas com cenas de mais pessoas interagindo, preferencialmente fazendo algo diferente. Se na primeira cena dois PCs estavam fazendo um plano para usurpar o poder, na segunda parte do grupo tem que lidar com a crise dos camponeses tentando linchar o padeiro. É como se as cenas oscilassem em dois eixos, um em relação à temática da interação (afeto, conflito, confronto, aliança, cumplicidade, ameaça, barganha, chantagem, etc), e outra ao número de personagens (e quais personagens) estão em cena. NOTA: oscilar em temática de interação deve ser feito de uma maneira conscienciosa. Alternar drama pesado com humor é uma técnica que existe (até Shakespeare já fez uso dela), mas se feito de maneira desregrada pode criar um problema de tom para a sessão e para a história. Quando na dúvida,lembre que a maioria das mesas tende à comédia leve. Jogadores adoram fazer piadas e comentários em off, e é bom ter isso em mente. Recursos dos Jogadores: Tempo. Atenção. Energia. Conhecimento das Regras. Envolvimento com a História. Esses são alguns exemplos de recursos aos quais o mestre deve estar atento durante as sessões, e a maioria o faz de maneira orgânica e instintiva. Contudo, ter uma percepção mais tática desses recursos e como evitar o desgaste de qualquer um deles pode ajudar não apenas a melhorar a sua sessão, mas a saber o que fazer quando algo der errado. Sessões de RPG variam entre 2~6 horas no grosso da curva. Isso é muito tempo, principalmente para adultos. É o absoluto dever de todo mestre entregar valor por esse tempo da melhor forma possível. Você já fez o cálculo de quanto tempo cada um dos seus jogadores passa “em on” durante uma sessão? Fazer essas anotações, e depois comparar com quanto tempo cada um “deveria” ter em on em uma divisão igualitária é interessante e, muitas vezes, revelador. Aguns especialistas afirmam que a maioria das pessoas tem bastante dificuldade em se manter concentrado no que quer que seja por mais de uma hora, uma hora e meia. Como é o seu grupo em relação a isso? Você está tendo intervalos, eles são planejados, e como você transiciona eles de volta ao jogo quando o intevalo acaba? Como isso afeta o andamento da sessão? Jogar de noite durante a semana e jogar na tarde de domingo são energias de grupo bem diferentes, simplesmente pelo ritmo circadiano e modo de vida das pessoas. Você está levando isso em consideração no seu planejamento? Porque começar uma sessão numa quinta-feira à noite com uma longa, extenuante batalha de 5x7 personagens de D&D lvl 12 pode não ser a melhor maneira de engajar e divertir seus jogadores que acabaram de sair do trabalho há uma hora e meia, e ainda estão cansados. Depois de listar essa caralhada imensidão de coisas que podem ser dignas da sua atenção, eu vou dizer que o objetivo não é instaurar o pânico e fazer parecer que cada sessão de RPG tem que ter a preparação de uma festa de casamento para duzentos convidados. Mestrar uma boa sessão de RPG é um feito artístico ímpar. Como uma boa performance de dança ou um show ao vivo, aquele esforço existe apenas por um momento, mas seu impacto tem a capacidade de modificar, inspirar e permanecer com aqueles que participaram para sempre. Nem todas as nossas sessões serão as melhores, e sejamos sinceros, na maioria das vezas elas ficam aquém das nossas expectativas. Do que nós sabíamos em nosso coração que elas poderiam ter sido. Principalmente no começo, até desenvolvermos nossa voz e estilo próprios, a maioria das vezes que pularmos do penhasco, a gente cai, despencando parede abaixo com maiores ou menores perdas. Mas se nós olharmos para a sessão em si, para a arte da mestragem com o mesmo cuidado e mentalidade de design com que olhamos para nossas histórias e personagens, podemos aprender coisas extraordinárias - sobre nossos grupos, nossos sistemas, nossos cenários- que só nós teríamos olhos para ver. Que ninguém mais poderia nos ensinar ou tutorar, porque eles não teriam o mecanismo de perceber essas nuances que a nossa vivência e experiência nos trazem. Quando utilizamos essas percepções para ir refinando a nossa forma de fazer as coisas, de descrever uma cena ou arbitrar um impasse, o Narrador em nós vai tendo contornos cada vez mais vísiveis, fundações cada vez mais sólidas para servir de base para os jogadores terem uma experiência única. E por isso vale a pena dedicar tempo e pensamento em como se tornar um Mestre melhor, como craftar sessões e campanhas melhores. Porque maioria das vezes você cai. Mas às vezes, você voa.

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